Empresários estão investindo alto no comércio legalizado de maconha, nos Estados Unidos. A porta de entrada para esse novo negócio foi a liberação do uso recreativo da droga em dois estados americanos, no fim de 2012. Neles, o consumo é permitido para maiores de 21 anos.
Dezenove estados autorizam médicos a receitar no apoio de tratamento de doenças. O repórter Felipe Santana mostra como funciona essa indústria que, no futuro próximo, poderá se tornar bilionária.
Só tem um assunto sobre o qual Sandy gosta de falar mais do que das suas invenções culinárias: “Essas são minhas gêmeas, de 25 anos. Uma é enfermeira e a outra ainda está na faculdade. A mais velha tem 32 anos e é chefe de cozinha”, ela conta.
Ela criou as três filhas sozinha e adiou os planos para ela mesma. Só aos 60 anos conseguiu realizar o que sempre foi seu sonho. Em casa, mesmo, ela gravou um DVD de receitas e escreveu um livro para contar todos os segredos da sua cozinha.
E é no quintal de casa que ela planta o tempero que é sua arma secreta. “O jeito como as pessoas enxergam a maconha está mudando. Agora, elas a veem como um remédio”, conta.
Sandy e o irmão dela plantam 99 pés de maconha permitidos por lei. Eles têm autorização de um médico para cultivar a erva como remédio.
Sandy pesquisa técnicas para fazer comida à base de maconha. “A primeira receita que eu fiz foram brownies, mas ficaram horríveis, com folha saindo para todo lado. Aí eu resolvi me aperfeiçoar. Você precisa deixar cozinhando por três horas e, nesse tempo, vai sair o gosto da erva”, lembra.
Com a manteiga, ela frita e faz bolo. “Eu faço essas receitas principalmente para pessoas mais velhas, que gostam de tomar uma xícara de chá e comer um dos meus docinhos”, conta.
“Eu também aceito encomendas. Uma vez, para uma festa, fiz salgadinhos e o molho. Todos ficaram muito felizes”, diz.
A lei no estado da Califórnia permite que Sandy forneça as refeições para quem têm autorização médica para consumir maconha.
Mas muita gente tem essa permissão por lá e começa a surgir a indústria da maconha. “É a primeira vez na história do capitalismo que você tem um mercado de US$ 100 bilhões formado, isso só nos Estados Unidos, sem nenhuma marca que atue nessa área. Isso não vai continuar assim”, explica o empresário Jamen Shively.
Essa história começou no maior estado dos Estados Unidos. Há mais de 15 anos, a Califórnia legalizou o uso medicinal da maconha. No começo, a droga era prescrita para portadores de HIV e pacientes terminais de câncer. Mas, hoje em dia, a lei foi se flexibilizando e é muito fácil conseguir uma prescrição médica.
Cientistas já comprovaram a eficácia do THC, o principio ativo da maconha, no tratamento de náuseas e vômitos provocados pela quimioterapia, para pacientes que sofrem de glaucoma e de falta de apetite.
Mas os médicos nos Estados Unidos se baseiam em mais de 20 mil pesquisas, de menor repercussão, para receitar maconha para até 190 enfermidades diferentes. Entre elas, estresse, insônia, ansiedade, cólicas menstruais, dores nas costas, convulsões e epilepsia.
Como muita gente sofre de pelos menos um desses males, apareceu muito médico especializado só em receitar maconha.
Em um dos maiores jornais californianos, há uma seção de anúncios de clínicas especializadas só em dar receitas para pacientes que querem comprar maconha legalmente. Uma delas fica em Venice Beach, um distrito de Los Angeles.
Um lugar onde tudo é original, as pessoas são sempre um pouco diferentes, com gostos parecidos.
Na beira da praia, o anúncio da clínica: US$ 40, mais ou menos R$ 90, pela consulta. Nenhum funcionário quis gravar entrevista. Eles anunciam na rua e muitos turistas param para se consultar com um médico.
Acontece que, pela lei, apenas residentes na Califórnia podem conseguir uma autorização pra comprar a droga.
O repórter pergunta ao funcionário se mesmo quem não mora no local pode conseguir a prescrição. Ele diz que sim, desde que tenha um documento com foto.
O Fantástico foi testar. Enquanto o repórter preenchia a ficha cadastral, ele explica como pratica a fraude. No campo do endereço, ele instrui o repórter a colocar o do hotel. Ele diz que isso configura que o repórter é um residente temporário do estado.
O repórter entra no consultório médico e fica por lá durante cinco minutos. Depois de examiná-lo, o médico perguntou o que ele tinha. O repórter disse que tem insônia e recebeu um papel com a prescrição que o deixa comprar maconha medicinal em qualquer estabelecimento na Califórnia.
Além dos US$ 40 da consulta, são mais US$ 160 para fazer uma carteirinha, que é usada para identificação na hora da compra. Com cerca de R$ 460, e pouco esforço, o repórter virou um consumidor autorizado de maconha na Califórnia.
O Fantástico foi, então, testar a validade da carteirinha em uma loja perto dali. Ao entrar lá, um homem sentado atrás de uma mesa com o computador pegou a prescrição médica, a carteira de identidade e mandou o repórter subir. No segundo andar, havia mais de 30 tipos de maconha. E não foi difícil comprar um grama da que chamam de ‘old school’.
Foram US$ 18, cerca de R$ 40, por um grama de maconha. Na verdade, todo mundo pode ter acesso à maconha na Califórnia.
A pequena quantidade de maconha comprada durante esta reportagem foi jogada no lixo.
O médico William não se espanta com a facilidade com que a prescrição foi conseguida. “Eu sempre dou a prescrição para quem vem aqui, para que as pessoas possam usar enquanto estiverem na região”, ele conta.
Ele foi o primeiro médico nos Estados Unidos a prescrever maconha abertamente. Por isso, teve o registro profissional cassado. Mas conseguiu reverter a situação na Justiça. “Eu provei, no tribunal, que a maconha funciona como remédio para uma infinidade de problemas, talvez até problemas demais”, lembra.
Para o fundador de uma das principais organizações antidrogas dos Estados Unidos, falta comprovar os resultados positivos do consumo de maconha para a saúde: “Maconha vicia, tanto a cabeça quanto o corpo. E há estudos que mostram que a droga está relacionada a vários tipos de câncer e problemas mentais”, avalia Robert Dupont.
A prescrição dada por William ou por qualquer outro médico permite que o paciente, além de comprar, possa plantar de 6 a 99 pés de maconha em casa
De olho nos novatos no mercado da cannabis, o nome científico da maconha, surgiu a Oaksterdam - a universidade da maconha.
Carrie é a diretora da escola. “Já passaram por aqui mais de 15 mil alunos, de todas as partes, inclusive brasileiros. A gente ensina as pessoas a plantar, cozinhar e trabalhar nas lojas legalizadas que vendem o produto”.
Ela mostra os trabalhos feitos em aula. Alguns alunos vivem só da receita do comércio legal de maconha. É permitido que os fornecedores cobrem pelo trabalho que tiveram para cultivar a planta. Cada vez que floresce, eles vendem o excedente, o que não vão consumir.
Steve é o dono da maior loja de maconha do mundo. O produto fica exposto com rótulos que indicam a quantidade de THC, o princípio ativo da planta. Dá também para comprar a muda para cultivar no quintal.
Os compradores têm que ter a carteirinha médica para entrar no local. Kymberly é executiva em um grande banco e diz que usa maconha para aliviar cólicas menstruais. Ela diz que adora o local porque é grande e ela se sente segura.
Robert é escritor e diz que, indo à loja, não se sente financiando o tráfico de drogas. A namorada dele, que é designer, conta que os dois também usam o serviço de tele-entrega.
A loja atendeu 55 mil clientes em 2012. As vendas totalizaram US$ 30 milhões, mais de R$ 70 milhões. O dinheiro gerado, segundo o dono da loja, é usado para pagar impostos para o governo e é revertido em serviços para os clientes.
Mas Steve vê um futuro mais rentável. Ele diz que o estado da Califórnia está muito próximo de legalizar totalmente os negócios relacionados à maconha. “O livre comércio vai incentivar a economia, a inovação, a eficiência, a competição. E vai permitir que os preços sejam menores e o produto, de mais qualidade”, avalia.
“Um milhão de pacientes usam maconha medicinal na Califórnia. É uma indústria que já movimenta US$ 1 bilhão por ano só no estado e gera mais de US$ 100 milhões em impostos para o governo”, disse um morador.
A estratégia da Califórnia se espalhou pelos Estados Unidos. Nos últimos anos, outros 18 estados legalizaram o uso medicinal da erva. Essas iniciativas colocam em lados opostos os governos estaduais e o governo federal. Isso porque a legislação nacional proíbe o uso de maconha em qualquer situação. Mas os estados, nos Estados Unidos, têm o poder de estabelecer as próprias leis.
"Esse conflito está sendo discutido no Congresso, mas não está avançando. Enquanto isso, o governo federal reforça a atuação nesses estados, fechando estabelecimentos”, diz Robert Dupont.
Mas os estados continuam a aprovar as leis, cada vez com mais ousadia. No final de 2012, os estados de Washington e Colorado resolveram legalizar totalmente a maconha para uso recreativo da droga. E os investidores estão apostando todas as fichas nesse mercado, que dá os primeiros passos na cidade de Seattle.
Foi lá que surgiu uma pequena cafeteria que se transformou no que é hoje a maior rede de café gourmet do mundo. E foi inspirado nela que um empresário da cidade resolveu elaborar um plano de negócios parecido, só que para um produto bem diferente.
Jamen nunca tinha fumado maconha até dois anos atrás. Era alto executivo de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, a Microsoft. Responsável por encontrar novas áreas de negócios em que a empresa pudesse atuar.
Com a legalização da maconha, Jamen largou o emprego e já investiu US$ 10 milhões no que ele acredita que vai ser sua jogada de mestre: a primeira marca de maconha do mundo.
“Nós temos um plano de negócio detalhado, desde o jeito como vamos plantar, as variedades de maconha que vamos oferecer e até como vão funcionar nossas lojas”, ele explica.
Ele quer abrir sua primeira loja dentro de um ano. "A gente espera que, no futuro, exista uma lei federal para que possamos abrir uma rede de lojas funcionando em esquema de franquia em todo o país”, diz.
Ele está trabalhando para conseguir o máximo de apoio possível. Em junho, organizou uma grande reunião com a presença do ex-presidente mexicano e grande empresário Vicente Fox, que é a favor da legalização da maconha.
O empresário marcou esse encontro para mostrar que tem interesse em expandir a indústria internacionalmente. “Nós conversamos sobre o futuro da cannabis, uma possível legalização internacional. Se isso acontecer, como vai funcionar?”, ele conta.
Mas ele já tem fortes concorrentes. Brendan estudou administração em Yale, uma das maiores universidades do mundo. Ele trabalhava em um banco de investimentos até que percebeu que na maconha havia um mercado pouquíssimo explorado. “Nós começamos a contatar todos os investidores que conhecíamos. As pessoas nem sempre respondiam com investimento, mas todos respondiam positivamente”, lembra.
Assim como Jamen, Brendan largou o emprego e abriu a própria empresa, ao lado de dois sócios. Hoje, dois anos depois, o grupo já captou US$ 7 milhões, cerca de R$ 15 milhões, para investir em pequenas empresas relacionadas ao comércio de maconha.
A mais promissora, até agora, é um site. É uma página com mais de 500 variedades de maconha cadastradas e com mais de 60 mil comentários de usuários sobre os efeitos de cada tipo de cannabis no corpo humano.
O consumidor entra no site para descobrir qual tipo de maconha deseja. Por exemplo, se o usuário quer uma variedade que combata enxaqueca, estimule a criatividade, deixe feliz e combata o estresse, o resultado são sete tipos diferentes da planta.
Clicando em cada uma delas, o site informa a loja mais próxima que tem aquela variedade no estoque.
“A maior parte dos produtos relacionados à maconha usa clichês, desenhos de folhas, do Bob Marley, de mulheres nuas. Isso não é legal se quisermos mudar o status quo”, destaca Brendan.
“Nós queremos criar produtos comerciais, para pessoas normais, não maconheiros. Todo mundo com quem conversamos já fumou ou conhece alguém que fuma maconha. Nossos dois últimos presidentes e o atual admitiram que fumara maconha”, lembra Brendan.
Bill Clinton disse que fumou e não tragou. Depois, disse que não gostou. George W. Bush disse que fumou na adolescência. Barack Obama, em sua autobiografia, também disse que usou.
Nos últimos anos, muitas celebridades influentes nos Estados Unidos também admitiram o uso de maconha. O nadador Michael Phelps, o ex-vice presidente Al Gore, o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, a candidata à vice-presidência, Sarah Palin, o ex-governador e ator Arnold Schwarzenegger e os atores Brad Pitt, Angelina Jolie, Jack Nicholson, Morgan Freeman, Robert Downey Jr., Jennifer Anniston.
Os empresários acham que falar sobre o assunto é um indício de que daqui um tempo os americanos verão pelas ruas uma máquina muito parecida com aquelas de refrigerante. Com umas moedas, a maconha está na mão.
O Vince inventou e patenteou o Medbox, que quer dizer "a caixa médica". “Nós vendemos as máquinas e lucramos ajudando as pessoas a abrir clínicas para vender a maconha legalmente. Nós corremos atrás da papelada e a pessoa já compra a máquina. É um pacote”, explica.
Ele investiu do próprio bolso cerca de US$ 500 mil. Em três anos, a companhia já está na bolsa de valores e o preço das ações só sobe. A empresa está avaliada hoje em US$ 400 milhões, quase US$ 1 bilhão.
“Há muito dinheiro por trás da legalização da maconha. E as pessoas estão fazendo de tudo para permitir o consumo da droga sem quaisquer restrições”, avalia o médico antilegalização Robert Dupont.
Um mercado bilionário que funciona ilegalmente está achando seus donos. No país onde nasceu a proibição da maconha, há 76 anos, hoje a erva virou negócio. Quem vai conseguir parar a vontade de ganhar dinheiro?
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